sábado, 19 de outubro de 2013

O Centenário de Vinicius de Moraes:, o "poetinha"-


Vinicius de Moraes completaria 100 anos neste sábado (19)
Foto: Arquivo/Jornal do Brasil / Divulgação
Em meio a um temporal, na madrugada de 19 de outubro de 1913 - há exatos 100 anos -, nascia o homem que marcaria a música brasileira para sempre com suas composições. Virou ícone e passava bem longe do padrão. Não era careta, falava de amor, era a favor do "eterno enquanto dure", definiu o que poucos conseguiram. O "poetinha", como era conhecido, casou-se e fez isso com propriedade, amou nove mulheres oficialmente e diversas outras por toda a sua vida.
Vinicius de Moraes era um homem como poucos, teve parcerias felizes com Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque, Carlos Lyra, Tom Jobim, entre outros. Gostava de beber uísque, o qual garantia ser o melhor amigo do homem, o "cachorro engarrafado". Admirava as mulheres belas, a beleza (como um todo, é bom ressaltar) era fundamental. Sofreu um acidente grave de avião, um de carro, fez uma operação para instalar um dreno cerebral, mas não padeceu em nada disso. Vinicius morreria no seu lugar preferido: a banheira. Teve um edema pulmonar.
Vida e obra
Ainda na infância, teve seus primeiros contatos com a música, começou a cantar no coro do Colégio Santo Inácio. Em 1924, escreveu com o sobrinho de Raul Pompéia o épico escolar em dez cantos: Os Acadêmicos. Aos 14 anos, começou a compor com Paulo e Haroldo Tapajós. Juntos, tocaram em festas de conhecidos.

Vinicius de Moraes completaria 100 anos neste sábado (19)
Foto: Arquivo/Jornal do Brasil / Divulgação
A partir de 1928, invariavelmente, namorou todas as amigas de sua irmã Laetitia. Nessa época, também compôs Loura ou Morena e Canção da Noite. Em 1929, se formou em Letras. No ano seguinte, começou a cursar a Faculdade de Direito. Em 1933, publicou seu primeiro livro, O Caminho para a Distância. Dois anos depois, foi premiado por Forma e Exegese.
Em 1936, substituiu Prudente de Morais Neto como representante do Ministério da Educação junto à Censura Cinematográfica. Mais tarde, ganhou uma bolsa para estudar inglês na Universidade de Oxford. Em agosto de 1938, partiu para a Inglaterra. No ano seguinte, se casou com a primeira mulher, Beatriz Azevedo de Mello, por procuração.
Em 1940, nasceu sua primeira filha, Susana. Beatriz Azevedo de Mello viria apenas dois anos depois. No mesmo período, começou a trabalhar no jornal A Manhã, como crítico cinematográfico. Poucos anos depois, ingressou na carreira diplomática.
No ano de 1945, um antes de ir morar em Los Angeles como vice-cônsul, sofreu um grave acidente de avião na viagem inaugural do hidro Leonel de Marnier, no Uruguai. A hélice desgrudou do avião e invadiu a cabine, matando um passageiro. A partir daí, desenvolveu um medo incurável de aviões.
Em sua temporada por Los Angeles, estudou cinema com Orson Welles e lançou a revista Film, com Alex Viany. Só retornaria ao Brasil em 1950, após a morte de seu pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes. Já no País, casou-se pela segunda vez. A escolhida era Lila Maria Esquerdo e Bôscoli. Em 1953, nasceu sua filha Georgiana. Dois anos mais tarde, compôs seu primeiro samba, música e letra, Quando Tú Passas por Mim, e partiu para Paris como segundo secretário da embaixada.
A carreira musical começou a deslanchar na década de 50, quando conheceu Tom Jobim, seu parceiro mais famoso. Dela, nasceram Lamento no Morro, Se Todos Fossem Iguais A Você,Um Nome de Mulher, Mulher Sempre Mulher, Eu e Você, A Felicidade, Chega de Saudade, Eu sei que vou te amar e o clássico Garota de Ipanema. Nesta época, nasceu a filha Luciana (1953).

 Vinicius de Moraes teve seu prestígio confirmado com a peça Orfeu da Conceição, em setembro de 1956. Entre 1957 a 1958, o diretor de cinema Marcel Camus rodou Orfeu do Carnaval, no Rio de Janeiro, filme que recebeu o nome de Orfeu Negro. Vinicius compôs para o filme A Felicidade e O Nosso Amor. O longa ganhou a Palma de Ouro e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Vinicius de Moraes completaria 100 anos neste sábado (19)
Foto: Arquivo/Jornal do Brasil / Divulgação


Em 1963, casou-se com Nelita Abreu Rocha. No fim de 1968, foi afastado da carreira diplomática tendo sido aposentado pelo Ato Institucional Número Cinco. Ele estava em Portugal para shows com Chico Buarque e Nara Leão na época. O motivo apontado para o afastamento foi o seu comportamento boêmio. Entre 1969 e 1970, oficializou a união com Cristina Gurjão e a atriz Gesse Gessy. Além disso, nasceu Maria, sua quarta filha. Oito anos depois, se uniu a Gilda de Queirós Mattoso.
Depois de uma turnê com Toquinho pela Europa, voltou ao Brasil e teve um derrame cerebral no avião. No dia 17 de abril de 1980, passou por uma cirurgia para instalação de um dreno cerebral.
No mesmo ano, na noite de 9 de julho, acertou alguns detalhes com Toquinho sobre o disco Arca de Noé. Vinicius de Moraes pediu para descansar um pouco e foi tomar banho. Foi encontrado pela empregada na banheira de casa, com dificuldades para respirar. Toquinho tentou socorrê-lo. Não houve tempo, e ele morreu pela manhã.
Em 1998, Vinicius de Moraes foi anistiado pela Justiça e a Câmara dos Deputados aprovou em fevereiro de 2010 a promoção póstuma do poeta ao cargo de "ministro de primeira classe" do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o equivalente a embaixador.



Vamos fazer um pacto?
Eu começo.
Vamos ver quem conhece algum poema, alguma música de Vinícius de Moraes. Você vai se surpreender quando perceber que conhece tantos.



A Arca de Noé

Vinicius de Moraes

Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata
O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata
E abre-se a porta da arca
Lentamente surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca
Vendo ao longe aquela serra
E as planícies tão verdinhas
Diz Noé: que boa terra
Pra plantar as minhas vinhas
Ora vai, na porta aberta
De repente, vacilante
Surge lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante
E de dentro de um buraco
De uma janela aparece
Uma cara de macaco
Que espia e desaparece
"Os bosques são todos meus!"
Ruge soberbo o leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta, e o tigre - "Não"
A arca desconjuntada
Parece que vai ruir
Entre os pulos da bicharada
Toda querendo sair
Afinal com muito custo
Indo em fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais
Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida
Longe o arco-íris se esvai
E desde que houve essa história
Quando o véu da noite cai
Erguem-se os astros em glória
Enchem o céu de seus caprichos
Em meio à noite calada
Ouve-se a fala dos bichos
Na terra repovoada
******

Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há...(2x)
O Pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo...
Comeu um pedaço
De genipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...
Quá! Quá! Quá! Quá Quá!
Quá! Quá! Quá! Quá Quá!
Quá! Quá! Quá! Quá Quá!
Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há...(2x)
O Pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo...
Comeu um pedaço
De genipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...

AGORA É SUA VEZ!
ENCONTREM UMA MÚSICA, UM POEMA E ESCREVA, ENVIE PRA ESTE BLOG E VAMOS FAZER UM SARAU EM HOMENAGEM AO NOSSO POETINHA!

Cícera Maria
Coord. Prog. Escola Aberta- CEBS



9 comentários:

  1. Amor em paz

    Eu amei
    Eu amei, ai de mim, muito mais
    Do que devia amar
    E chorei ao sentir que iria sofrer
    E me desesperar
    Foi então que da minha infinita tristeza
    Aconteceu você
    Encontrei em você a razão de viver
    E de amar em paz
    E não sofrer mais, nunca mais
    Porque o amor é a coisa mais triste
    Quando se desfaz
    Vinicius de Moraes

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  2. M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O !!!!!!!!!!


    Ausência

    Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
    Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
    No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
    E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
    Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
    Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
    Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
    Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
    Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
    Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
    Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
    Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
    Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
    E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
    Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
    Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
    E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
    Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
    Vinicius de Moraes

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  3. Segue uma das músicas mais bonitas do Poetinha...

    As Cores De Abril
    Vinicius de Moraes



    As cores de abril
    Os ares de anil
    O mundo se abriu em flor
    E pássaros mil
    Nas flores de abril
    Voando e fazendo amor

    O canto gentil
    De quem bem te viu
    Num pranto desolador
    Não chora, me ouviu
    Que as cores de abril
    Não querem saber de dor

    Olha quanta beleza
    Tudo é pura visão
    E a natureza transforma a vida em canção

    Sou eu, o poeta, quem diz
    Vai e canta, meu irmão
    Ser feliz é viver morto de paixão

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    1. LIndo, né? Obrigada pela participação.

      Você está convidado também para participar de outro sarau, só que presencial, dia 31 de outubro, no C.E..BRIGADEIRO SCHORCHT.

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  4. Vou postar aqui uma música que é uma homenagem as mulheres que Vinicius tanto amava, além do que ele mesmo é homenageado nessa linda música criada por Lenine.

    Todas Elas juntas Num Só Ser
    Lenine

    Não canto mais Babete nem Domingas,
    nem Xica nem Tereza,de Ben Jor;
    nem Drão nem Flora,do baiano Gil,
    nem Ana nem Luiza,do maior;
    já não homenageio Januária,
    Joana,Ana,Bárbara de Chico;
    nem Yoko,a nipônica de Lennon,
    nem a cabocla de Tinoco e de Tonico.

    Nem a tigresa nem a Vera Gata
    nem a branquinha de Caetano;
    nem mesmo a linda flor de Luiz Gonzaga,
    Rosinha,do sertão pernambucano;
    Nem Risoflora,a flor de Chico Science,
    nenhuma continua nos meus planos;
    nem Kátia Flávia,de Fausto Fawcett;
    nem Anna Júlia do Los Hermanos.

    Só você,
    hoje eu canto só você;
    só você
    que eu quero porque quero,por querer.

    Não canto de Melô Pérola Negra,
    de Brown e Herbert,nem uma brasileira;
    De Ari,nem a baiana nem Maria,
    nem a Iaiá também,nem minha faceira;
    de Dorival,nem Dora nem Marina
    nem a morena de Itapoã;
    divina garota de Ipanema,
    nem Iracema,de Adoniran.

    De Jackson do Pandeiro,nem Cremilda;
    de Michael Jackson,nem a Billie Jean;
    de Jimi Hendrix,nem a doce Angel;
    nem Ângela nem Lígia,de Jobim;
    nem Lia,Lily Braun nem Beatriz,
    das doze deusas de Edu e Chico;
    até das trinta Leilas de Donato
    e da Layla,de Clapton,eu abdico.

    Só você,
    canto e toco só você;
    só você,
    que nem você ninguém mais pode haver.

    Nem a namoradinha de um amigo
    e nem a amada amante de Roberto;
    e nem Michelle-me-belle,do beattle Paul,
    nem Isabel - Bebel - de João Gilberto;
    nem B.B.,la femme de Serge Gainsbourg,
    nem,de Totó,na malafemmená,
    nem a Iaiá de Zeca Pagodinho,
    nem a mulata mulatinha de Lalá;

    e nem a carioca de Vinícius
    e nem a tropicana de Alceu
    e nem a escurinha de Geraldo
    e nem a pastorinha de Noel
    e nem a namorada de Carlinhos
    e nem a superstar do Tremendão
    e nem a malaguenha de Lecuona
    e nem a popozuda do Tigrão.

    Só você,
    hoje elejo e elogio só você;
    só você,
    que nem você não há nem quem nem quê.

    De Haroldo Lobo com Wilson Batista,
    de Mário Lago e Ataulfo Alves,
    não canto nem Emília nem Amélia,
    nenhuma tem meus ''vivas'' e meus ''salves''!
    E nem Angie,do stone Mick Jagger;
    e nem Roxanne, de Sting, do Police;
    e nem a mina do mamona Dinho
    e nem as mina ? pá! - do mano Xiz!

    Loira de Hervê,Loira do É O Tchan,
    Lôra de Gabriel,o Pensador;
    Laura de Mercer,Laura de Braguinha,
    Laura de Daniel,o trovador;
    Ana do Rei e Ana de Djavan,
    Ana do outro Rei,o do Baião;
    nenhuma delas hoje cantarei,
    só outra reina no meu coração:

    Só você,
    rainha aqui é só você;
    só você,
    a musa dentre as musas de A a Z.

    Se um dia me surgisse uma moça
    dessas que,com seus dotes e seus dons,
    inspira parte dos compositores
    na arte das palavras e dos sons,
    tal como Madallene,de Jacques Brel
    ou como Madalena,de Martinho
    ou Mabellene e a sixteen de Chuck Berry
    ou a manequim do tímido Paulinho

    ou como,de Caymmi,a moça prosa
    e a musa inspiradora Doralice;
    se me surgisse uma moça dessas,
    confesso que eu talvez não resistisse;
    mas,veja bem,meu bem,minha querida,
    isso seria só por uma vez.
    Uma vez só em toda a minha vida,
    ou talvez duas,mas não mais que três!

    Só você,
    mais que tudo é só você;
    só você,
    as coisas mais queridas você é:

    Você pra mim é o sol da minha noite,
    é como a rosa luz de Pixinguinha;
    é como a estrela pura aparecida,
    a estrela a refulgir do Poetinha;
    você,ó floré como a nuvem calma
    no céu da alma de Luiz Vieira;
    você é como a luz do sol da vida
    de Stevie Wonder,ó minha parceira.

    Você é pra mim o meu amor
    crescendo como mato em campos vastos;
    mais que a Gatinha pra Erasmo Carlos,
    mais que a cigana pra Ronaldo Bastos,
    mais que a divina dama pra Cartola,
    que a domna pra Ventadorn,Bernart;
    que a Honey Baby para Waly Salomão
    e a Funny Valentine para Lorenz Hart!

    (2x)Só você,
    mais que tudo e todas,é só você;
    só você
    que é todas elas juntas num só ser!

    http://www.youtube.com/watch?v=y7KY5CO-bbA

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    1. :) muito obrigada pela participação. Esta é mais uma das muitas canções/poemas lindos, em que de alguma forma Vinicius esteve envolvido.

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  5. Soneto De Separação

    De repente do riso fez-se o pranto
    Silencioso e branco como a bruma
    E das bocas unidas fez-se a espuma
    E das mãos espalmadas fez-se o espanto

    De repente da calma fez-se o vento
    Que dos olhos desfez a última chama
    E da paixão fez-se o pressentimento
    E do momento imóvel fez-se o drama

    De repente não mais que de repente
    Fez-se de triste o que se fez amante
    E de sozinho o que se fez contente

    Fez-se do amigo próximo, distante
    Fez-se da vida uma aventura errante
    De repente, não mais que de repente

    Vinicius de Moraes

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    1. LIndo, né? Obrigada pela participação.

      Você está convidado também para participar de outro sarau, só que presencial, dia 31 de outubro, no C.E..BRIGADEIRO SCHORCHT.

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  6. Amiga Helena Sangirardi
    Conforme um dia prometi
    Onde, confesso que esqueci
    E embora — perdoe — tão tarde

    (Melhor do que nunca!) este poeta
    Segundo manda a boa ética
    Envia-lhe a receita (poética)
    De sua feijoada completa.

    Em atenção ao adiantado
    Da hora em que abrimos o olho
    O feijão deve, já catado
    Nos esperar, feliz, de molho

    E a cozinheira, por respeito
    À nossa mestria na arte
    Já deve ter tacado peito
    E preparado e posto à parte

    Os elementos componentes
    De um saboroso refogado
    Tais: cebolas, tomates, dentes
    De alho — e o que mais for azado

    Tudo picado desde cedo
    De feição a sempre evitar
    Qualquer contato mais... vulgar
    Às nossas nobres mãos de aedo.

    Enquanto nós, a dar uns toques
    No que não nos seja a contento
    Vigiaremos o cozimento
    Tomando o nosso uísque on the rocks

    Uma vez cozido o feijão
    (Umas quatro horas, fogo médio)
    Nós, bocejando o nosso tédio
    Nos chegaremos ao fogão

    E em elegante curvatura:
    Um pé adiante e o braço às costas
    Provaremos a rica negrura
    Por onde devem boiar postas

    De carne-seca suculenta
    Gordos paios, nédio toucinho
    (Nunca orelhas de bacorinho
    Que a tornam em excesso opulenta!)

    E — atenção! — segredo modesto
    Mas meu, no tocante à feijoada:
    Uma língua fresca pelada
    Posta a cozer com todo o resto.

    Feito o quê, retire-se o caroço
    Bastante, que bem amassado
    Junta-se ao belo refogado
    De modo a ter-se um molho grosso

    Que vai de volta ao caldeirão
    No qual o poeta, em bom agouro
    Deve esparzir folhas de louro
    Com um gesto clássico e pagão.

    Inútil dizer que, entrementes
    Em chama à parte desta liça
    Devem fritar, todas contentes
    Lindas rodelas de lingüiça

    Enquanto ao lado, em fogo brando
    Dismilingüindo-se de gozo
    Deve também se estar fritando
    O torresminho delicioso

    Em cuja gordura, de resto
    (Melhor gordura nunca houve!)
    Deve depois frigir a couve
    Picada, em fogo alegre e presto.

    Uma farofa? — tem seus dias...
    Porém que seja na manteiga!
    A laranja gelada, em fatias
    (Seleta ou da Bahia) — e chega

    Só na última cozedura
    Para levar à mesa, deixa-se
    Cair um pouco da gordura
    Da linguiça na iguaria — e mexa-se.

    Que prazer um corpo pede
    Após comido um tal feijão?
    — Evidentemente uma rede
    E um gato para passar a mão...

    Dever cumprido. Nunca é vã
    A palavra de um poeta...— jamais!
    Abraça-a, em Brillat-Savarin
    O seu Vinicius de Moraes.

    Texto extraído do livro "Para viver um grande amor", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1984, pág. 97.


    PARTICIPAÇÃO DE MOEMA RIBEIRO

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