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Em meio a um temporal, na madrugada de 19 de outubro de 1913 - há exatos 100 anos -, nascia o homem que marcaria a música brasileira para sempre com suas composições. Virou ícone e passava bem longe do padrão. Não era careta, falava de amor, era a favor do "eterno enquanto dure", definiu o que poucos conseguiram. O "poetinha", como era conhecido, casou-se e fez isso com propriedade, amou nove mulheres oficialmente e diversas outras por toda a sua vida.
Vinicius de Moraes era um homem como poucos, teve parcerias felizes com Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque, Carlos Lyra, Tom Jobim, entre outros. Gostava de beber uísque, o qual garantia ser o melhor amigo do homem, o "cachorro engarrafado". Admirava as mulheres belas, a beleza (como um todo, é bom ressaltar) era fundamental. Sofreu um acidente grave de avião, um de carro, fez uma operação para instalar um dreno cerebral, mas não padeceu em nada disso. Vinicius morreria no seu lugar preferido: a banheira. Teve um edema pulmonar.
Vida e obra
Ainda na infância, teve seus primeiros contatos com a música, começou a cantar no coro do Colégio Santo Inácio. Em 1924, escreveu com o sobrinho de Raul Pompéia o épico escolar em dez cantos: Os Acadêmicos. Aos 14 anos, começou a compor com Paulo e Haroldo Tapajós. Juntos, tocaram em festas de conhecidos.
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Em 1936, substituiu Prudente de Morais Neto como representante do Ministério da Educação junto à Censura Cinematográfica. Mais tarde, ganhou uma bolsa para estudar inglês na Universidade de Oxford. Em agosto de 1938, partiu para a Inglaterra. No ano seguinte, se casou com a primeira mulher, Beatriz Azevedo de Mello, por procuração.
Em 1940, nasceu sua primeira filha, Susana. Beatriz Azevedo de Mello viria apenas dois anos depois. No mesmo período, começou a trabalhar no jornal A Manhã, como crítico cinematográfico. Poucos anos depois, ingressou na carreira diplomática.
No ano de 1945, um antes de ir morar em Los Angeles como vice-cônsul, sofreu um grave acidente de avião na viagem inaugural do hidro Leonel de Marnier, no Uruguai. A hélice desgrudou do avião e invadiu a cabine, matando um passageiro. A partir daí, desenvolveu um medo incurável de aviões.
Em sua temporada por Los Angeles, estudou cinema com Orson Welles e lançou a revista Film, com Alex Viany. Só retornaria ao Brasil em 1950, após a morte de seu pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes. Já no País, casou-se pela segunda vez. A escolhida era Lila Maria Esquerdo e Bôscoli. Em 1953, nasceu sua filha Georgiana. Dois anos mais tarde, compôs seu primeiro samba, música e letra, Quando Tú Passas por Mim, e partiu para Paris como segundo secretário da embaixada.
A carreira musical começou a deslanchar na década de 50, quando conheceu Tom Jobim, seu parceiro mais famoso. Dela, nasceram Lamento no Morro, Se Todos Fossem Iguais A Você,Um Nome de Mulher, Mulher Sempre Mulher, Eu e Você, A Felicidade, Chega de Saudade, Eu sei que vou te amar e o clássico Garota de Ipanema. Nesta época, nasceu a filha Luciana (1953).
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Em 1963, casou-se com Nelita Abreu Rocha. No fim de 1968, foi afastado da carreira diplomática tendo sido aposentado pelo Ato Institucional Número Cinco. Ele estava em Portugal para shows com Chico Buarque e Nara Leão na época. O motivo apontado para o afastamento foi o seu comportamento boêmio. Entre 1969 e 1970, oficializou a união com Cristina Gurjão e a atriz Gesse Gessy. Além disso, nasceu Maria, sua quarta filha. Oito anos depois, se uniu a Gilda de Queirós Mattoso.
Depois de uma turnê com Toquinho pela Europa, voltou ao Brasil e teve um derrame cerebral no avião. No dia 17 de abril de 1980, passou por uma cirurgia para instalação de um dreno cerebral.
No mesmo ano, na noite de 9 de julho, acertou alguns detalhes com Toquinho sobre o disco Arca de Noé. Vinicius de Moraes pediu para descansar um pouco e foi tomar banho. Foi encontrado pela empregada na banheira de casa, com dificuldades para respirar. Toquinho tentou socorrê-lo. Não houve tempo, e ele morreu pela manhã.
Em 1998, Vinicius de Moraes foi anistiado pela Justiça e a Câmara dos Deputados aprovou em fevereiro de 2010 a promoção póstuma do poeta ao cargo de "ministro de primeira classe" do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o equivalente a embaixador.
Vamos fazer um pacto?
Eu começo.
Vamos ver quem conhece algum poema, alguma música de Vinícius de Moraes. Você vai se surpreender quando perceber que conhece tantos.
A Arca de Noé
Vinicius de Moraes
Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata
O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata
E abre-se a porta da arca
Lentamente surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca
Lentamente surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca
Vendo ao longe aquela serra
E as planícies tão verdinhas
Diz Noé: que boa terra
Pra plantar as minhas vinhas
E as planícies tão verdinhas
Diz Noé: que boa terra
Pra plantar as minhas vinhas
Ora vai, na porta aberta
De repente, vacilante
Surge lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante
De repente, vacilante
Surge lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante
E de dentro de um buraco
De uma janela aparece
Uma cara de macaco
Que espia e desaparece
De uma janela aparece
Uma cara de macaco
Que espia e desaparece
"Os bosques são todos meus!"
Ruge soberbo o leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta, e o tigre - "Não"
Ruge soberbo o leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta, e o tigre - "Não"
A arca desconjuntada
Parece que vai ruir
Entre os pulos da bicharada
Toda querendo sair
Parece que vai ruir
Entre os pulos da bicharada
Toda querendo sair
Afinal com muito custo
Indo em fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais
Indo em fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais
Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida
Longe o arco-íris se esvai
E desde que houve essa história
Quando o véu da noite cai
Erguem-se os astros em glória
E desde que houve essa história
Quando o véu da noite cai
Erguem-se os astros em glória
Enchem o céu de seus caprichos
Em meio à noite calada
Ouve-se a fala dos bichos
Na terra repovoada
Em meio à noite calada
Ouve-se a fala dos bichos
Na terra repovoada
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O Pato
Vinicius de Moraes
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Qüén! Qüen! Qüén! Qüen!
Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há...(2x)
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há...(2x)
O Pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo...
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo...
Comeu um pedaço
De genipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...
De genipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...
Quá! Quá! Quá! Quá Quá!
Quá! Quá! Quá! Quá Quá!
Quá! Quá! Quá! Quá Quá!
Quá! Quá! Quá! Quá Quá!
Quá! Quá! Quá! Quá Quá!
Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há...(2x)
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há...(2x)
O Pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo...
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo...
Comeu um pedaço
De genipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...
De genipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela...
AGORA É SUA VEZ!
ENCONTREM UMA MÚSICA, UM POEMA E ESCREVA, ENVIE PRA ESTE BLOG E VAMOS FAZER UM SARAU EM HOMENAGEM AO NOSSO POETINHA!
Cícera Maria
Coord. Prog. Escola Aberta- CEBS
Amor em paz
ResponderExcluirEu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei ao sentir que iria sofrer
E me desesperar
Foi então que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais, nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz
Vinicius de Moraes
M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O !!!!!!!!!!
ResponderExcluirAusência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Vinicius de Moraes
Segue uma das músicas mais bonitas do Poetinha...
ResponderExcluirAs Cores De Abril
Vinicius de Moraes
As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor
O canto gentil
De quem bem te viu
Num pranto desolador
Não chora, me ouviu
Que as cores de abril
Não querem saber de dor
Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a natureza transforma a vida em canção
Sou eu, o poeta, quem diz
Vai e canta, meu irmão
Ser feliz é viver morto de paixão
LIndo, né? Obrigada pela participação.
ExcluirVocê está convidado também para participar de outro sarau, só que presencial, dia 31 de outubro, no C.E..BRIGADEIRO SCHORCHT.
Vou postar aqui uma música que é uma homenagem as mulheres que Vinicius tanto amava, além do que ele mesmo é homenageado nessa linda música criada por Lenine.
ResponderExcluirTodas Elas juntas Num Só Ser
Lenine
Não canto mais Babete nem Domingas,
nem Xica nem Tereza,de Ben Jor;
nem Drão nem Flora,do baiano Gil,
nem Ana nem Luiza,do maior;
já não homenageio Januária,
Joana,Ana,Bárbara de Chico;
nem Yoko,a nipônica de Lennon,
nem a cabocla de Tinoco e de Tonico.
Nem a tigresa nem a Vera Gata
nem a branquinha de Caetano;
nem mesmo a linda flor de Luiz Gonzaga,
Rosinha,do sertão pernambucano;
Nem Risoflora,a flor de Chico Science,
nenhuma continua nos meus planos;
nem Kátia Flávia,de Fausto Fawcett;
nem Anna Júlia do Los Hermanos.
Só você,
hoje eu canto só você;
só você
que eu quero porque quero,por querer.
Não canto de Melô Pérola Negra,
de Brown e Herbert,nem uma brasileira;
De Ari,nem a baiana nem Maria,
nem a Iaiá também,nem minha faceira;
de Dorival,nem Dora nem Marina
nem a morena de Itapoã;
divina garota de Ipanema,
nem Iracema,de Adoniran.
De Jackson do Pandeiro,nem Cremilda;
de Michael Jackson,nem a Billie Jean;
de Jimi Hendrix,nem a doce Angel;
nem Ângela nem Lígia,de Jobim;
nem Lia,Lily Braun nem Beatriz,
das doze deusas de Edu e Chico;
até das trinta Leilas de Donato
e da Layla,de Clapton,eu abdico.
Só você,
canto e toco só você;
só você,
que nem você ninguém mais pode haver.
Nem a namoradinha de um amigo
e nem a amada amante de Roberto;
e nem Michelle-me-belle,do beattle Paul,
nem Isabel - Bebel - de João Gilberto;
nem B.B.,la femme de Serge Gainsbourg,
nem,de Totó,na malafemmená,
nem a Iaiá de Zeca Pagodinho,
nem a mulata mulatinha de Lalá;
e nem a carioca de Vinícius
e nem a tropicana de Alceu
e nem a escurinha de Geraldo
e nem a pastorinha de Noel
e nem a namorada de Carlinhos
e nem a superstar do Tremendão
e nem a malaguenha de Lecuona
e nem a popozuda do Tigrão.
Só você,
hoje elejo e elogio só você;
só você,
que nem você não há nem quem nem quê.
De Haroldo Lobo com Wilson Batista,
de Mário Lago e Ataulfo Alves,
não canto nem Emília nem Amélia,
nenhuma tem meus ''vivas'' e meus ''salves''!
E nem Angie,do stone Mick Jagger;
e nem Roxanne, de Sting, do Police;
e nem a mina do mamona Dinho
e nem as mina ? pá! - do mano Xiz!
Loira de Hervê,Loira do É O Tchan,
Lôra de Gabriel,o Pensador;
Laura de Mercer,Laura de Braguinha,
Laura de Daniel,o trovador;
Ana do Rei e Ana de Djavan,
Ana do outro Rei,o do Baião;
nenhuma delas hoje cantarei,
só outra reina no meu coração:
Só você,
rainha aqui é só você;
só você,
a musa dentre as musas de A a Z.
Se um dia me surgisse uma moça
dessas que,com seus dotes e seus dons,
inspira parte dos compositores
na arte das palavras e dos sons,
tal como Madallene,de Jacques Brel
ou como Madalena,de Martinho
ou Mabellene e a sixteen de Chuck Berry
ou a manequim do tímido Paulinho
ou como,de Caymmi,a moça prosa
e a musa inspiradora Doralice;
se me surgisse uma moça dessas,
confesso que eu talvez não resistisse;
mas,veja bem,meu bem,minha querida,
isso seria só por uma vez.
Uma vez só em toda a minha vida,
ou talvez duas,mas não mais que três!
Só você,
mais que tudo é só você;
só você,
as coisas mais queridas você é:
Você pra mim é o sol da minha noite,
é como a rosa luz de Pixinguinha;
é como a estrela pura aparecida,
a estrela a refulgir do Poetinha;
você,ó floré como a nuvem calma
no céu da alma de Luiz Vieira;
você é como a luz do sol da vida
de Stevie Wonder,ó minha parceira.
Você é pra mim o meu amor
crescendo como mato em campos vastos;
mais que a Gatinha pra Erasmo Carlos,
mais que a cigana pra Ronaldo Bastos,
mais que a divina dama pra Cartola,
que a domna pra Ventadorn,Bernart;
que a Honey Baby para Waly Salomão
e a Funny Valentine para Lorenz Hart!
(2x)Só você,
mais que tudo e todas,é só você;
só você
que é todas elas juntas num só ser!
http://www.youtube.com/watch?v=y7KY5CO-bbA
:) muito obrigada pela participação. Esta é mais uma das muitas canções/poemas lindos, em que de alguma forma Vinicius esteve envolvido.
ExcluirSoneto De Separação
ResponderExcluirDe repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
Vinicius de Moraes
LIndo, né? Obrigada pela participação.
ExcluirVocê está convidado também para participar de outro sarau, só que presencial, dia 31 de outubro, no C.E..BRIGADEIRO SCHORCHT.
Amiga Helena Sangirardi
ResponderExcluirConforme um dia prometi
Onde, confesso que esqueci
E embora — perdoe — tão tarde
(Melhor do que nunca!) este poeta
Segundo manda a boa ética
Envia-lhe a receita (poética)
De sua feijoada completa.
Em atenção ao adiantado
Da hora em que abrimos o olho
O feijão deve, já catado
Nos esperar, feliz, de molho
E a cozinheira, por respeito
À nossa mestria na arte
Já deve ter tacado peito
E preparado e posto à parte
Os elementos componentes
De um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
De alho — e o que mais for azado
Tudo picado desde cedo
De feição a sempre evitar
Qualquer contato mais... vulgar
Às nossas nobres mãos de aedo.
Enquanto nós, a dar uns toques
No que não nos seja a contento
Vigiaremos o cozimento
Tomando o nosso uísque on the rocks
Uma vez cozido o feijão
(Umas quatro horas, fogo médio)
Nós, bocejando o nosso tédio
Nos chegaremos ao fogão
E em elegante curvatura:
Um pé adiante e o braço às costas
Provaremos a rica negrura
Por onde devem boiar postas
De carne-seca suculenta
Gordos paios, nédio toucinho
(Nunca orelhas de bacorinho
Que a tornam em excesso opulenta!)
E — atenção! — segredo modesto
Mas meu, no tocante à feijoada:
Uma língua fresca pelada
Posta a cozer com todo o resto.
Feito o quê, retire-se o caroço
Bastante, que bem amassado
Junta-se ao belo refogado
De modo a ter-se um molho grosso
Que vai de volta ao caldeirão
No qual o poeta, em bom agouro
Deve esparzir folhas de louro
Com um gesto clássico e pagão.
Inútil dizer que, entrementes
Em chama à parte desta liça
Devem fritar, todas contentes
Lindas rodelas de lingüiça
Enquanto ao lado, em fogo brando
Dismilingüindo-se de gozo
Deve também se estar fritando
O torresminho delicioso
Em cuja gordura, de resto
(Melhor gordura nunca houve!)
Deve depois frigir a couve
Picada, em fogo alegre e presto.
Uma farofa? — tem seus dias...
Porém que seja na manteiga!
A laranja gelada, em fatias
(Seleta ou da Bahia) — e chega
Só na última cozedura
Para levar à mesa, deixa-se
Cair um pouco da gordura
Da linguiça na iguaria — e mexa-se.
Que prazer um corpo pede
Após comido um tal feijão?
— Evidentemente uma rede
E um gato para passar a mão...
Dever cumprido. Nunca é vã
A palavra de um poeta...— jamais!
Abraça-a, em Brillat-Savarin
O seu Vinicius de Moraes.
Texto extraído do livro "Para viver um grande amor", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1984, pág. 97.
PARTICIPAÇÃO DE MOEMA RIBEIRO